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quinta-feira, 13 de outubro de 2022

 



Abro os olhos, é sábado. Dia de atendimento na Clínica Aberta de Psicanálise. Me desloco. Todos correm, à procura de algo, vivem cada um ao seu modo, a angústia citadina. No caminho, passo por um quartel da polícia militar, observo os cavalos, e meus pensamentos - à galope, movem meu desejo político - de escutar a rua. Os pensamentos resistem à eletricidade do ar e vêm, em busca de uma possível pensadora, em minha direção. 

 No meio do caminho, cruzo a oficina Oswald de Andrade - pessoas circulam, entram, saem. Dançam. Bandeirolas vibram no ar, ali tem movimento, arte, cultura, pulsão, libido, erotismo, desejo. De repente, um sarau. Eu vejo surgir os poetas de campos e espaços. Oswald de Andrade e tua oficina de floresta com teus deuses da chuva. Escuto uma música. Eu continuo andando. Eles me cruzam. O povo mestiço, oprimido nas filas, nas vilas, favelas. Nós nos cruzamos. Retirantes eu - vou até onde o povo está. Meu povo mestiço, o caboclo, o cafuzo e o mameluco. A prostituta que se apaixona, o traficante que se vicia, o pobre que é de direita. O que é humano não me é estranho. Mulheres e homens e suas contradições,  paradoxos e agonias. Hoje é dia de escutá-los. Escutar parada o andarilhos, a indígena do colar de pedra azul, o poeta gandula que vende hot dog no estádio, a moça que teve o teto da sua casa retirado porque não pagou o aluguel, o professor universitário que se encanta pelo método do trabalho, o cineasta argentino. Hoje é dia de me inclinar para o povo da casa.

 Eu, tão singular, já me vi plural.

 Sim, Oswald de Andrade, a nossa independência não foi proclamada. Não, não possuímos autonomia.  Ainda somos escravos de um retrocesso, vivemos em tempos obscuros nessa cidade antropofágica devoradora de sonhos. Estamos achatados nesse açoite neoliberal, precisamos encontrar nossa terceira dimensão. Estamos achatados subjetivamente. Povoemos nossa mente. Ando pela cidade. Um vento bate no meu rosto e faz um movimento centrípeto, trazendo o exterior para dentro de mim. Todo psicanalista é um grupo.

Ando pela cidade, as pessoas passam: trabalham e teimam e limam, e sofrem, e suam. Winnicott diria: "Depois de ser, fazer; também que nos façam alguma coisa. Mas antes de tudo, ser." Ser, cara pálida? Como? Aqui? Onde a vida é mercadoria, se não se faz, pode-se existir? Ser? Tupi or not tupi, eis a questão.

Eu vou em direção à casa do povo. Todo psicanalista se desenvolve na marginalidade, na ruptura, neste jogo de extraterritorialidade. O que seria de uma cidade sem seus territórios marginais? Como não sair de si, dessa normatização da vida contemporânea, chata e idiotizante?

U m d e l í r i o.  

Um homem fumando crack cruza o meu caminho, me dou conta de que me avizinho da Cracolândia. “Já que no céu nada alcanço, recorro às potências do Inferno” é assim que Freud, citando Virgilio, abre a Interpretação dos Sonhos. Olho para este homem nos olhos (poderia eu fazer aberturas e sonhá-lo?)  – compreendo Virgílio e acho que finalmente, Freud. Recorro às potências do inferno. Sinto um estranhamento familiar. Sigo em direção ao povo da casa.

Estou na rua da Casa do Povo, rua Três Rios. Estou na terceira margem - à deriva. Faço da palavra-canoa, meu instrumento e vou, rio abaixo, rio a dentro, escutar as águas da palavra. Já dizia Guimarães Rosa, “cada um rema sozinho uma canoa que navega um rio diferente, mesmo parecendo que esta pertinho”. Eu adicionaria: mas podemos navegar juntos.

Dou de cara com a feia fumaça que sobe tentando apagar o neon, que alumia com seus dizeres “E assim elas comemoram a Vitória”.


“Eu disse: Fecharei os olhos e farei um rabisco a esmo no papel; você o transformará em alguma coisa e depois será sua vez e você fará o mesmo e eu transformarei seu traço em alguma coisa”

Eu fecho os olhos. Estou a esmo. E sou um risco, esperando o encontro com alguém para transformações. Expansões emocionais. Horizontes oníricos ainda não preenchidos, o inédito, a surpresa, o espanto. Pego duas cadeiras, busco um feixe de sol, olho para cima, o céu arranha. Há plantas ao redor, pedras, vidro. Estou na selva de pedra - porque a vida deve estar em algum lugar para ser encontrada.  As pessoas circulam, nós, agora, a sós: eu e a paciente. A céu aberto. Estou sem desejo, sem memória e sem dinheiro. Viva. Pronta para o encontro. Muito viva. Aqui e agora. Na minha frente, um lambe-lambe: 


Fecho os olhos. Chamo a primeira paciente. Ela vem de máscara, é baixa como eu - uma senhora, arrumada, de cabelos alisados e bem cuidados. Senta-se na cadeira, eu abro a porta de vidro, acolho-a delicadamente: “pode-se sentar aqui” digo a ela. Ela olha para mim, vejo seus olhos fixos atrás de seus óculos  como quem pede para que eu estenda a mão. Fica em silêncio. Seus olhos marejam. Eu aguardo, pacientemente. É uma pausa de mil compassos. Um olhar profundo me olha. Registro. Sinto. E me disponho, oca, como um reservatório infinito. Olho-a com atenção, presença e com calma, movo a minha cabeça, como quem diz: Estou aqui. 

Ela me diz: Pois é. Eu guardei este segredo por 18 anos. Eu resisti de vir aqui. Mas eu preciso dividir ele com alguém”.

A voz dessa senhora é abismal. Um rio caudaloso e profundo. Cada palavra, gota a gota, cai dos meus ouvidos como ácido. Ela move as águas dentro de mim, me permito inundar. Me contenho. Ela narra histórias de violações. De humilhações. Ela questiona a própria sanidade e se arruma, se enfeita, pinta as unhas, para parecer, segundo ela, “normal”. A precariedade da vida, uma realidade. A dela, a minha, a sua, a nossa.

Olhamos juntas para essas coisas que se afastam até perder de vista. Havia tanta sanidade ali, tanta lucidez. Eu escuto, testemunho sua dor, escuto as violações e violências: do marido, pelo patriarcado, pelas instituições. Pela pobreza.  A precariedade da vida revela-se de forma crua. Olho para a sanidade dela. Para a dor e a legitimidade de senti-la. Ressôo. Sou a guardiã de suas memórias. Era tudo o que ela precisava ali. Naquele momento. Abraço essa senhora com carinho. 

Enquanto desço as escadas para chamar o próximo paciente, continuo a sonhá-la. Essa senhora habita um espaço em mim. Me consterna, me rasga. Ela nunca pôde ser pensada, penso eu. Gosto dela.  Me dou conta que estou cantarolando:

Eu gosto dos que têm fome

Dos que morrem de vontade

Dos que secam de desejo

Dos que ardem


Me lembro de Macabéa: 

A vida é um soco no estômago.

 

 

 

 

 

sábado, 30 de novembro de 2013

Amar Gareth




Margareth Bausch
A Margaret

Ao som de um estardalhaço, aos mil pedaços de um ser, surge na mata estilhaços de um frágil corpo que reflete por toda a parte a nova luz da aurora. Alguns dizem ser a ninfa Perséfone, que sai do mundo sublime na colheita de narcisos e encarna no mundo das trevas e dos mortos, o mundo subterrâneo de Hades. Outros dizem ser uma espécie de centauro, da linha de Quíron, a curadora ferida, filha da dor da Traição – dos outros e de si própria. Há quem diz ser a Loba, aquela que recolhe e conserva especialmente o que corre o risco de se perder para o mundo, e conclama os restos psíquicos do espírito da mulher selvagem, soprando canto sobre seus ossos, a fim de restaurar sua própria vida. Seus cabelos são mais negros que a asa da graúna, seu espírito é caudaloso, voraz e misterioso.  Ela tem algo de mar, tem algo do ar, de amar e de amargar. Uma verdadeira amálgama. 

Em suas expedições internas, embarcou em muitos países distantes, terras longínquas, de cartografias muitas. Enebriou-se com a cabeça em maresia, naqueles mares tantos. Relembra aquele seguro e lindo cais que houvera, porém sobre o qual sabia que seu barco nunca aportaria. Seria ela, a própria marinheira que dormia?
-Agora sim, os mares te inundarão! Verás enfim, com olhos do seu coração, além. Além do que achavas ser seu caminho.

Dei-lhe patas para galopar, aos golpes e às rajadas de vento, nas asas do desejo e no pântano de sua alma - uma zona abissal, turva e pantanosa, que borbulha, sangra e não estanca. Para que assim então pudesse  aterrar, pertencer, enraizar e sobretudo permitir-se ser inteiramente. 

- Ressuscita-te e encarna-te! para acabar de viver o que lhe cabe: a sua própria vida.

Seduz, ama, se envolve e consome-se em prazer na brincadeira com outros centauros feridos. Vive esse amor dos umbrais, fugaz, imorais, dos mortais e cavalga assim, amalgamente, faltando um pedaço.






domingo, 30 de dezembro de 2012

Ken Wong

               Mistaken Identity - por Ken Wong

"Ligando os breus
Dando sentido aos mundos
E aos corações
Sentimentos profundos
De terna
Alegria no dia 
Do Menino Deus"

Caetano Veloso -Menino Deus

sábado, 6 de outubro de 2012

Carta à uma prestes formada

E no meio do caminho, havia ela.
Dentro dela, havia o caminho"
Babilônia, 26 de Angústia de 2012

Cara Lais,

Seus pensamentos alcançaram-me esta tarde quando colhia lírios no campo. Tenho passado os dias de inverno que são mais longos e têm o pôr-do-sol mais boreal.Cada dia é uma surpresa. Hoje o laranja estava ousado e intenso no céu. Fico mais melancólica e cheia de anseios para a noite chegar. Ao  ouvir o primeiro zumbido de mosquito e o primeiro lumiar de vagalume  é sinal de que a noite anuncia-se. Vou me acomodando à ela, admirando as estrelas e então a sua lembrança me invade o pensamento. É neste ambiente que te escrevo hoje.

Preciso  falar algo para o seu centro cordial.Te vejo buscando, entre tantos caminhos, um lugar no qual você possa realizar plenamente seu ser, sentindo-se segura e capaz.

Pois bem, usando a licença que me deu de aconselhá-la, peço que compreenda que teus pensamentos e emoções te arrastam de um lado e para o outro, como um galho seco ao vento. Sem norte, sem direção, sem propósito. Vejo algumas das suas expectativas regadas por ilusões, vaidades e medos, sua angústia te consumindo e encerrando sua coragem.

 Você está olhando para fora, e é justamente o que menos deveria fazer neste momento. Pergunte a si mesma que som ecoa do seu coração e que rosto dá para aquilo o que desejas ser? Deixe as expectativas, o poder e o desejo de lado por um momento. O que resta? Qual é exigência original do seu coração? Avalie sua pergunta, volte para si mesma comprove se a resposta vem das raízes do seu coração- e então, confesse para você mesma e torne-a resposta, tome um caminho e não olhe para trás. Faça de seu caminhar uma constante afirmação deste sinal.

Peço que tenhas paciência Laís, e sobretudo, compaixão pelo que já és, por tudo o que conquistou e pelo caminho que já trilhou. Olhe com carinho, com gratidão e respeito por você e agora contemple e viva as suas perguntas, neste tempo tão frutífero de incertezas. Como já dizia Zaratustra, "é preciso ter um caos dentro de si para dar luz à uma estrela cintilante". E não se esqueça - o homem perdeu o paraíso por impaciência. Você ainda vai brilhar. Caminhe, com paciência. Aproxime-se do presente com o consentimento de seu coração. Torne-o um evento abençoado.E nunca se esqueça : Só aquilo que você realmente é tem o poder de te curar. Tua pessoa Lais, mesmo que doa Lais.

Tenha maestria em suas obras, ponha-se inteira e lembre-se sempre de que existe um Ser, da onde parte seu centro cordial e de onde emana todo o seu espledor, a sua essência e o que há de mais belo em você. As emoções e pensamentos, são da sua periferia. Estes, pertencem e têm a mesma qualidade do tempo - são efêmeros. Acalme-se e sem pressa para a resposta, pergunte-se: Este caminho possui um coração?
Deixe então que esta pergunta ressoe em você e confie. É daí que devem partir seus primeiros passos.

Coragem!

Raíz





Um pouco de Van Gogh

Passeio ao Crepúsculo - Vincent Van Gogh 1889/1890.
Óleo sobre tela, 75,5 x 70,5 cm
Acervo do Masp
 
"Em meu trabalho, arrisco minha vida e metade da minha razão sucumbe"
 
 
Starry Starry Night - Don McLean
 

segunda-feira, 10 de setembro de 2012



"O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais, há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesmo compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudades...sei lá de quê!"
(Florbela Espanca, Carta no. 147)

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Água-vívida


O que nós vemos diante de nós é somente uma pequena parte do mundo. Nós temos o habito de pensar, que este é o mundo, mas isso não é verdade. O verdadeiro mundo é um lugar muito mais escuro e profundo do que esse, e muito dele é ocupado por águas vivas e coisas"
                                                                                                             Harumi Murakami
                                                                         
Hoje eu acordei em estado de graça em plena madrugada. Sonhei que era uma água viva no lago Palau na Micronésia. Sem desejos, sem expectativas e ambições, era diáfana translúcia e lúcida. Pulsando no compasso do mundo, inspirando e expirando, como na frequência da batida do coração de um feto, que se faz vida ao pulsar.
 Ta...tum..ta...tum...tá.

E vivia entre meus pares, nos cruzávamos sem vaidades e nem disputas, reconhecíamos-nos como várias manifestações de uma mesma vida, dissolvidos na água doce, e realizando plenamente nosso harmonioso ciclo de viver.


A vida me era simples e eu entendia perfeitamente a minha missão, onde eu era instrinsicamente vida junto aquele lago inteiro, de corpo e alma inteira, sem distinção. Absolutamente nada me faltava.

Eu era a última manifestação da vida e realizava, pulsando, a vocação que me foi designada a revelar: a de amar.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Travessia


"Além da fala e da mente, no rio de luz sempre-fulgente, meu coração mergulha." 
        Sri Chinmoy

Os três atos de fé



Supernova é o nome dado a corpos celestes surgidos após a explosão de estrelas e que
têm um brilho de grande magnitude.Em poucos dias ela  libera mais energia que nosso Sol
 em toda a sua vida.É a morte espetacular de uma estrela.
É o fim ou o começo de uma vida?

Queria palpar essa ínfima linha que acompanha a vida e a morte, o sonho e o despertar. Queria morrer, agarrando-se à essa linha tênue que liga essas duas dimensões, por amar, sobretudo, a própria vida. Acredita que toda morte tem um tanto de plenitude e queria ser plena ao se fundir ao infinito.

E todas as noites ela morria. Mas não era uma simples morte. Era um entregar-se ao inevitável: sem resistência, como num gesto de redenção. Morria para sentir a ressurreição. Foi assim que encontrou uma forma de sentir-se viva pois  acreditava que a encarnação acontece várias vezes:

Nesta mesma vida.

Procura um amor que a preencha toda, cada célulinha do seu ser, e para sempre. Está demasiadamente cansada dos amores passageiros. Já morreu tanto com eles que está vazia e quer ser preenchida por uma avalanche de amor, mas que seja repousante e eterno em seu ser.O não efêmero amor, mas aquele que atravesse-a como uma flecha no tempo. Quer remar e remar e atravessar o rio, chegar na outra margem. Quer atravessar o pântano que é a sua alma, quer  colapsar o espesso véu de ilusão que encoberta seus olhos para então ser ser verdadeiramente aquilo que já se é no fundo, ocupar seu lugar. Ser o vazio plenamente cheio de nada. Silêncio e realidade. A grande dimensão.

Tudo isso pra falar que foi assim que tomou uma dose de coragem e se despediu. Sentia como se fosse em direção ao matadouro. Já chorava antes de encontrá-lo pois despedia-se daquela parte que era ele, nela. Num único espaço-tempo de verdade, ajoelhada em seu quarto, confessa a sua entrega, onde acontece sem saber, o verdadeiro encontro com o sagrado. Era o momento derradeiro do adeus, de uma vez por todas. Começava a morrer, len-ta-men-te. Seu coração estava sangrando. Elevava seu coração aos Céus e permitia que toda a fragilidade de sua alma fosse entregue às mãos das mais superiores instâncias Celestes. Seu primeiro ato de fé

Para fazer isso foi preciso apoiar-se em algo, no escuro.
- "Uma mão! Estenda-a pra mim, um dedo, se quer.Dai-me um só ponto fixo, meu Deus!"

É agora que essa moça necessita daquele fio que a conduz  das trevas para a luz, aquele mesmo fiiiio que interliga a morte à vida, que é fixo, sólido e estável diante de toda essa impermanência. Ela quer um chão seguro.
Despedia-se com sinceridade daquela parte que resistia em morrer, por tanto tempo e que insistia em alumiar com esperança algum canto de escuridão, insconscientemente, daquela pobre alma vã. E por deixar morrer, sabia que teria que remanejar toda a sua estrutura interna. Recolher o que sobrou de si, juntar e colar os pedaços remanescentes. Estranhava-se, não se reconhecia. (Quem sou eu?) Procurava debaixo do armário aquele caco que ainda reconhecia como seu e cautelosa e pacientemente, dia-a-dia colava em si, num gesto de amor próprio. Renascer. Refletir a nova luz da aurora, aceitando a máxima e inexorável sentença: a impermanência de todas as coisas e a certeza de que, futuramente, tudo se quebrará novamente. E caminha. Faz então, seu segundo ato de fé.
Ela amou-o. Amou o seu ser, toda a sua ignorância e sua ilusão, inclusive a ilusão que ele nela criara, naquele espaço fora do tempo, onde aconteceram todos os passeios românticos de férias. As horas em silêncio que ela tanto reclamara, entendeu que eram os momentos em que estava realmente na presença dele, perceptível somente pela insistência daquele seu silencio maldito. O modo como ele pousava a mão dele no braço dela bastava para que ela se sentisse plenamente envolvida.Os olhares, os gestos, essas coisas simples, ternas, eternas e singelas eram o que mais lhe custava a se despedir, causando um peso à memória e ao coração.
Mas algo não se aquietava e sem resistir, aceitava por fim, o fim. Assim, confusamente. Algo lhe dizia que nessa vida, aquele era o momento da morte dos dois.
E despediram-se. A despedida ironicamente concedia-lhe forças, por saber que estava empoderada de seu poder de escolha, estava imbuída de livre-arbítrio. Foi tudo num tempo reavaliado, onde cada suspiro contava um incalculável tempo na eternidade. Neste nosso tempo regular diria que foi cruelmente pouco, (pois quem não acha que esse tempo é implacável e cruel?) mas o necessário para que duas almas estivessem em presença. Como já dizia Clarice Lispector, a eternidade é o estado das coisas neste momento. E foi, eterno e natural, naquele momento. Um abraço verdadeiro e poucas palavras, pois não havia muitas a serem ditas, mesmo, pois os corações sabiam-se um ao outro.
E foi com honra à vida e ao coração (que dita não carregar nenhum ressentimento) que ela pôde dizer adeus sem carregar nenhuma mágoa nem raiva, para que assim continuasse livre para ser o que é e o que lhe espera para ser. Sem espaço para arrependimentos mas sim uma abertura para se perdoar o que se foi e o que não gostaria ter sido, e o que gostaria de ter feito e não se fez. Porém, reconhecendo que foi como tinha que ser, por fim, agradece-o. A despedida num gesto de gratidão. É esse o sentimento que tem que preponderar, ainda que tenha havido uma grande tristeza entre os dois.
E é então que uma força dentro de si, estende-lhe a mão, uma mão que estava soterrada dentro dela e que aparece após toda essa longa escavação que fizera, sem ao menos se dar conta. E por fim, sente que faz uma experiência de abertura, de liberdade: a palavra de ordem de sua gloriosa juventude. E então, o vazio preenche espaço. E ela renasce como o bendito fruto da vida, novamente.

E então, com a única coisa que acha que sabe, caminha: que tem que manter o coração livre e seguir o que ele dita. E obedece, com amor. Sem saber o que está por vir, confia.
E faz por fim, seu terceiro e último ato de fé.



quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Soldier of love

Soldier of love
I have won the battle of doubt

Being the guardian of my heart
On this endless wait for my love
Is where I begin a new start


Love took me far
To the depths of my being


Where I went some many times to die


But I am reborn and I´ve survived


From this painfull heart´s war


Now I am more than alive


Back to what is real


I am ready again for what may come


On the love´s battlefield.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Dijesus


“Tudo na vida pode ser relativo, menos Deus e a fome.”- Dom Pedro Casaldáliga

Eu ouvi recentemente essa frase num documentário sobre Dom Pedro Casaldáliga  - "E o verbo se fez carne",  antes de pegar esse menino pretinho pra mim. Ele é preto e branco, como a sua vida e a fome, sem relativizar. Ele tem olhos grandes de jabuticaba, ranho escorrendo pelo nariz e parece não ter força nem para chorar direito. Seu rostinho é de tanta dor que basta, para que eu ouça seu choro estridente.
 Quando o sol incide sobre ele sem misericórdia, ele nem sabe quem é.Se a sombra ou se ele mesmo.Só sabe que existe porque sente fome. E porque dói. Muito. Deve ter nascido em algum país da mãe África, a mãe mais triste desse mundo. Sua segunda mãe deve ter morrido de AIDS ou fome, ou pode ser que tenha sido vendida para uma outra tribo, ou mesmo, morrido em algum outro parto.
Foi quando ele olhou pra mim, com tanta súplica, que eu arranquei-o da revista.Tive pegá-lo pra mim. Batizei-o de Dijesus, sem pai mas com mãe.Sua terceira mãe sou eu, e carrego esse menino preto na bolsa comigo, chorando de dor para onde quer que eu vá. Tudo o que pude fazer para o garoto foi esquentá-lo na minha bolsa quentinha de veludo por dentro onde eu carrego também todos os meus sonhos.

Por mais que ele chore, estará quentinho e acompanhado.Eu não vou me esquecer dele. E agora ele está comigo. Quem sabe eu não olhe pra ele e lembre sempre que existe uma dor, muito maior que a minha. Eu, nessa vida tão mesquinha, preciso da existência do Dijesus para me lembrar de lutar sempre.


quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Vem ser fruto comigo

 Pântano das Almas, 6 de Primavera


Meu querido Grão,

Estou como um solo, só.Sola e fertil, à sua espera.Saiba que o amor é assim, precisa de um encontro para germinar.Só assim é possível saber se ele vai vingar, se o tempo vai podar ou se vai dar frutos.Sou um amor de solo quente, que quer ver nascer, que tem sede de tanto esperar, e tem saudade.Quero poder encontro-germinar com você, criar raízes, viver e sermos plantas, enfrentar tempestades, balançar ao vento e quararmos juntos ao sol. Crescer e durar junto à você ao longo do tempo, naturalmente e sem pressa, como mandam as leis da natureza.Prometo nutrir a esperança e fazer valer a minha promessa.

Mas cadê você? Deixa eu te conhecer, vem pra esse amor poder acontecer. Vem e me diz que não és um grão de ilusão -estéril, mas cheio de promessa, para sermos juntos então, sermos frutos e servirmos à quem estiver com fome de justiça, liberdade e amor.

Vem ser fruto junto comigo, grãozinho.Vamos semeaer nossos ideais e sermos o Sal da Terra - essa terra tão insípida.Vem meu grão de amor, fique ao meu lado para podermos enxergar um horizonte maior, na soma dos nossos olhos.Os meus, solos, precisam dos teus.

Te espero fertilmente,

Raíz

domingo, 21 de agosto de 2011

Não sei se é sonho

M.C.Escher - Three Worlds -1955
Eu quero ser e só
Simples e suavemente
Como quem anda
Só e paciente
Como quem vive
E aceita
Plenamente
Os fatos da vida
O mistério da vida
Resignada
A realidade
Ser isso e mais nada
Sempre presente
Dentro de mim
Ser um coração
No agora
Pertencente
A mente sem ilusão
Ser o mundo
Reflexo de tudo
E de passagem
Não deixar passar em vão
Nenhum só segundo

domingo, 22 de maio de 2011

A Júlia


Rosa e Azul (As meninas de Caven D´Anvers)-Renoir

Em 2007 foi quando saí de casa e vim para Ribeirão.Sair de casa é como um segundo corte do cordão umbilical e  a segunda vez  dói mais porque é você quem decide cortar para renascer para a maturidade. Saí e lá fui eu respirar sozinha com meu pobre pulmão asmático.Deixei o cachorro, a casa, os amigos, meus pais, meus irmãos, minhas irmãs e entre elas a Júlia, minha irmã caçula.

A Júlia é uma estrela de alegria e espontaneidade que todo caçula carregar por ter o posto de poder ser criança por mais tempo na família.Ela é do tipo de pessoa que facilmente te invade e te desconserta de você mesmo, te fazendo rir e rindo ainda mais de você.O olhar dela parece estar sempre procurando o lado engraçado e bizarro das coisas e nas pessoas.A Júlia guarda também uma carência e uma densidade, profundas e secretas, que se revelam com o pedido de carinho antes de dormir, no meio de uma conversa que se estende ao longo da noite, dentro de um quarto escuro e de portas fechadas.

Eu me lembro que quando ia pra casa nos finais de semana tentava ficar o tanto que eu podia junto dela. Ela adormecia me pedindo pra ficar e pela de manhã minha mãe me pedia para ir embora sem me despedir, assim ela não acordava e não chorava. Eu chorava escondida e silenciosa eu saía sem me despedir, com o coração partido.

E assim por um tempo foi: Todo final de semana, aquela mesma ida, aquela mesma volta, aquela mesma paisagem nas viagens de ônibus (que só se alternava quando eu sentava na poltrona da outra fileira), aquela mesma dor.Até descobrir um dia que, sempre que ia e voltava, eu já não era mais a mesma.

Chegava em Ribeirão às segundas-feiras.Fazia parte do trote da faculdade usar uma camiseta de cada cor na semana e  justo na segunda era o dia do azul.Eu me vestia de azul e o azul se vestia em mim.

E foi assim que nasceu esse poema:

Blues
Às vezes me visto assim de azul
E todas as suas nuances desfazem em mim
O outono na cadência de maio
Explode sua natureza em cores  no Céu
De manhãzinha as cores se escondem
No choro de um azul bebê
Eu passo silenciosa
Para não acordá-la
Assim ela não chora
Assim ela não me vê
Tem dias que eu me pego azul clarinha, azul tristinha
Eu choro escondida
E lá no fundo azul do Mar
Vou de mansinho, me azulo marinho,marinho
Marinheira eu sou
Então tiro minhas nadadeiras aladas do meu bolso
E vôo sozinha num mergulho infinito
Num mar de águas que me conduzem à mim mesma
Pego meu pó de lirismo mágico e azulaido em alma
Tudo o que existe
É quando tudo torna a ganhar vida
Conversando comigo nos meus devaneios
(E até mesmo no meu tempo regulamentar)
Mas tem hora que tudo explode em sete cores
Numa dança espetacular
Azul-crinando como numa intempérie
O Céu do meu coração
Azul
É que essa minha condição humana me traz esses azuis
Dos quais nunca estarei salva
Me quebrando uns azulejos do peito
e azulindo outro novos.
Então eu me lembro
Das suas incontáveis tonalidades
E minha alma se acalenta outra vez.


quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Landscape of Port Lligat - Salvador Dalí

Um barqueiro sábio sob a luz das 11 horas me indicou a direção através de uma faixa anil e algumas flores que havia no meu caminho. Contou-me que dois seres alados descarregavam água do mar do Céu Azul.
"Tome um pouco dessa água vida com as suas mãos" - disseram me os seres. Peguei um pouco, tomei a água com as minhas mãozinhas e sai.
Descobri que para tomar vida é preciso abrir cada vez mais as mãos, para podermos tomarmos ainda mais e até mesmo abrir mão do que temos para receber mais e mais vida. Hoje essa água flui no meu corpo e me faz viva, viva.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Domingos

Hoje eu me perguntei sobre o que há nos Domingos.Acho que é o dia que a gente mais desacelera da semana e entra em contato com a gente mesmo, mas com aquela nossa parte mais triste.Será que simplesmente entrar em contato com a gente seja mesmo uma coisa triste? Ou será que a gente é sempre triste e só nos silêncios dos domingos isso vem a nos revelar? Não sei.Pode ser também que haja uma conjução entre os planetas no Céu, que traga uma aura de tristeza a nós humanos, mais nostálgica, porque não sou somente eu que sente isso, eu sei.Ou pode ser simplesmente o silêncio das ruas, o gemido das mulheres nuas, o barulho das correntes das bicicletas, aquele tempo morto, o céu sempre limpo, o meu pobre coração no limbo. Aquelas nuvens onde cabem todos os nossos sentimentos e pensamentos e que nos transportam para um tempo distante, trazendo a lembrança de alguém: como um canto infinito de um pássaro que se perde ao longe.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010



                                                Feito eu Perdida em pensamento sobre o meu cavalo.

Porquinha-da-Índia



            Quando eu tinha seis anos
                 Ganhei um porquinho-da-índia.
              Que dor de coração me dava
                   Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
             Levava ele prá sala
                    Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
                 Ele não gostava:
       Queria era estar debaixo do fogão.
             Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...
        - O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.

             Manuel Bandeira


Nem sempre a gente entende o que a gente sente, e muito menos sabemos explicar para os outros o que sentimos.Em uma dessas confusões, achei um poema que explicasse meu funcionamento de vez em quando.
Tem vezes que a minha timidez toma conta de mim, seja numa apresentação, seja no meio de muitas pessoas, ou quando eu estou perto de muita gente que eu não conheço, às vezes  eu sinto vontade de sair correndo, desaparecer, entrar debaixo de um fogão, ficar escondidinha, no escurinho quentinho.Digo que quero estar como o porquinho-da-índia do Manuel Bandeira,(que acaba sendo uma forma de disfarçar uma situação constrangedora de forma lírica)Não que ficar sozinha seja assim tão confortável para mim, mesmo porque eu sou extremamente carente e a solidão me dói muitas vezes.Penso que ficar sozinha seja mais refúgio que um conforto.

Quando com alguém, muitas vezes já me vi fazendo pouco caso de ternurinhas e quando sozinha, sentia falta delas.Como aquela estorinha do Schopenhauer, dos porcos espinhos:Nas noites frias de inverno, eles ficam com frio e se juntam para se esquentar, porque necessitam de calor, de ligação.Então eles se juntam e se espetam por conta dos espinhos.E é dolorido.E para evitar a dor, eles se isolam.E ficam com frio.E se aproximam de novo.E se espetam.E se isolam.

Schopenhauer falava que essa era a dança da intimidade que define os nossos relacionamentos com as pessoas que a gente encontra.Ele não tinha um remédio pra isso, falava que era da natureza humana, mas sugeria que, aqueles porcos espinhos que conseguissem gerar seu próprio calor, eram capazes de manter uma distância segura, sem necessariamente precisar se isolar.

Penso que eu também tenho que gerar um calor interno, minha identidade, meu amor próprio, meu próprio senso de humanidade, mas por enquanto...
Ainda acho que sou um bichinho. 
:~

Landscape of Wargemont

                                                    Landscape of Wargemont, de Renoir.

Ele é, se não o meu quadro  favorito, um dos.Não que eu seja uma grande apreciadora de arte, eu realmente conheço muito pouco, embora ela muitas vezes me pegue e me invada de surpresa.

O quadro é grande e mede 80.6 x 100 cm e a única informação que tenho é que Renoir pintou este quadro quando numa visita ao sul da França. A primeira vez que nos encontramos, foi quando fui à uma exposição de Renoir, no Philadelphia Art Museum, na Filadélfia.Era inverno de 2008.Lembro me de ter ficado pelo menos uns 20 minutos olhando para ele.Na época em que me deparei e me encantei com o quadro, foi no meio de caminho solitário, em que viajava pela primeira vez sozinha, no exterior e viajaria dali uns meses sem rumo à procura de alguma coisa (que hoje eu posso dizer que era de mim mesma).

Sinto que esse quadro me transporta pra dentro dele, numa sensação de movimento, de vida.Sim, é vivo! Perceba que ao olhá-lo, o seu olhar é carregado pelo caminho central, as folhas parecem se mexer e você consegue dizer em que sentido o vento está soprando... dá para até perceber que  tem uma eletricidade no ar, uma selvageria, um ventania, daquelas que dá antes de uma grande tempestade, como as chuvas de verão.Eu até consigo ouvir o vento uivando.

A pintura, sem saber explicar, me encanta por despertar uma certa sinestesia, uma fusão dos meus sentimentos com o convite de sensações para o qual o quadro me desperta.Gosto da dramaticidade das linhas, da sensação de movimento e dos tons de roxo, preto ocre e verde, do caminho sinuoso, meu e do quadro, que se finda no nada, mas que ainda mantém a idéia do horizonte e de esperança quando, no fim do quadro, o Céu ilumina de azul um ponto escuro ao fim.

Hoje, distante do que sentia, penso que me identifiquei com o quadro pois estava como o quadro:fluida, sem contornos definidos, volúvel. O quadro é uma poesia da própria vida, dos caminho sinuosos e cheio de curvas pelos quais percorremos, nesse movimento eterno de “não-cessar”, da selvageria da vida, desse caminhar sinuoso, de angústia nas pinceladas de roxo e de preto, e a oferta com gratidão de ocre triste, mas ainda sim amarelo e com delicadeza, como se Deus carregasse nas mãos um punhado de esperança no fim de um caminho tortuoso e revelasse à você, depois de transpor um horizonte, um mistério divino de cor azul.

sábado, 4 de dezembro de 2010

A curva

Quando me vejo pensando na morte, a única coisa que me conforta ao pensar é que a vida talvez seja uma passagem, mesmo.Que ela é breve, e que então por isso, não adianta me apegar à muitas coisas.
Falamos sempre em apego material, mas hoje falo aqui do apego à outras coisas.O apego à dor.O apego à tristeza, às dificuldade,à raiva, ao futuro, à glória, ao sucesso,às expectativas, enfim, às falsas idéias sobre nós mesmos e sobre a vida.Penso que o apego gera uma certa vibração mental, ao qual ficamos presos e no qual construímos nosso mundo, escravizando a nós mesmos.Esses pensamentos e sentimentos existem e eles me causam muito sofrimento, por conta da minha simples e inexorável condição humana. O sofrimento por natureza é genuinamente egoísta, ele dói mesmo naquele ponto e só.Ele grita, corrói, extravasando toda a nossa dor em lágrimas. 


Por muito tempo, um grito de dor, foi a única voz que eu fui capaz de ouvir.Mas aos poucos tenho ouvido outras vozes no meu inteiror, e na cura da minha dor, a tarefa que tenho exercido é escutar essas outras vozes.A voz da coragem, a voz da luta e da força.E essas vozes tem de ser escavadas nos escombros das nossas almas nas mais corajosas expedições internas. 

Penso que é por aí que o amor tem entrado em mim, tenho deixado uma luz entrar.Tenho me permitido ser afetada e tenho afetado o outro com o melhor que tenho de mim, e essa tem sido a forma como eu tenho existido no mundo.Sei que muitas vezes o melhor de mim é muito pouco, ainda que verdadeiro; sendo tudo o que eu tenho a oferecer. 
A emoção tem estado presente nos meu relacionamento.Isso me faz sentir renascida a cada instante. Tenho olhado todo dia, esse mesmo mundo, as mesmas pessoas, com olhos diferentes.Os meus dias tem sido mais sagrados


Sinto a vida me convidando a aceitar seus desígnios com o meu mais honrado consentimento. Quero um dia poder dizer com propriedade que, de fato, aceitei à tal convite.
Por fim, cabe e está ao alcance de todos nós acreditarmos que podemos sim, ser uma imensidão, um infinito de possibilidades, enxergarmos a vida num espectro maior, sendo capitães de nossas almas.Temos todos dentro de nós uma semente, a semente da potência, de que somos capazes e que o mundo precisa de nós.Cabe a nós cultivarmos e batalharmos por isso, com a força que brota de uma fonte que reside no fundo dos nosso corações.A força que para mim, é mais poderosa que existe no universo.Essa força benevolente que me une comigo e com você agora, em comunhão, chamada Amor.

Eu - parto

Falar para mim tem sido um parto, mas escrever pode ser que seja dar a luz. Dar a luz à essa angústia que  nasce em palavras, ao mesmo tempo que dá rumo à qualquer coisa que vem, mas que vem com uma certa urgência em simplesmente poder ser e existir num bocado de linhas, num fundo branco, num espaço onde seja permitido um certo fluxo de consciência que dá vida à isso que vem e onde não tem.Vou explicar.


Ando numa dinâmica onde eu ando só observando.Só e observando.São os olhares das pessoas, o jeito como elas gesticulam, o tom de voz, o que falam e como falam, o jeito de piscar e de sobra, a sombra e por vezes, a luz também.A minha e a das pessoas.Esse tem sido o meu diálogo e a minha interação com o mundo.Quieta e presente, à minha maneira.Verbalizar tem sido um grande esforço para mim.Tem requerido muita energia.
Acho que assimilar uma perda requer muito de nós, requer uma reorganização interna muito grande, muito pensamento e sentimento trabalhando ali, diaria e cautelosamente, em algo que desabou e na dor que ficou.Como o trabalho de um ourives, que vem lapidar os nossos olhos, para que possamos enxergar através de um prisma maior e mais profundo, essa mesma vida, esse mesmo mundo, em novas cores e perspectivas.Um trabalho minucioso, onde a vida pede da gente coragem, um escancarar do peito, naquela parte mais ferida e exposta.Uma reação.


O que eu tenho dito é: Eu sou toda sua, e essa aqui é o que eu posso te oferecer querida, Vida.Com resignação.Talvez eu possa adicionar aí uma revolta, uma inquietação resignada, também, e com legitimidade.Resignado no sentindo de que eu não posso mudar e que eu aceito, mas junto, tem esse movimento em querer descobrir o que há por trás da rotina, essa coisa escondida, de saber que a vida não é só isso que eu estou experimentando, de querer algo maior, de ter alguma coisa a mais, esse valor escondido atrás desse sentimento de que a vida me escorre pelas mãos.


Eu quero sim essa vida de significado, que valha a pena.E de fato, acho que isso reside no trabalho com o outro, na caridade, no amor, na humildade.Nas trocas.Em afetar e ser afetado.A gente pode ser para o mundo aquilo que ele precisa de nós.Essa vontade é grande sim, por isso a angústia, essa inquietação, esse querer descobrir o mundo, esse querer me descobrir também.Mas fiz um pacto honrado com a angústia.Ela sempre estará lá e será um motor propulsor dessa minha vontade em ser útil.


Junto à esse processo, entendi a importância de se aquietar a mente, também.Isso é algo importante nessa busca.A confusão mental percorre caminhos tortuosos, o que nos traz muita ansiedade, sentimento de incapacidade, mentiras.A mente mente, bem banal mas bem verdadeiro.(Ela nos projeta num futuro que nunca existirá.)
Estar tranquilo na mente é estar mais perto do coração.E é o coração que nos diz para onde ir.E é por isso que eu estou tão feliz em poder ir para a meditação amanhã.Porque todo esse exercício não é assim, tão fácil.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Fecundação

A partir da necessidade de exprimir-se o que há por dentro, de existir no mundo, de concretizar-se o espírito... Um pensamentozóide fecundou um coraçóvulo.


Eis a concepção,


De um


Blog.