Rosa e Azul (As meninas de Caven D´Anvers)-Renoir
Em 2007 foi quando saí de casa e vim para Ribeirão.Sair de casa é como um segundo corte do cordão umbilical e a segunda vez dói mais porque é você quem decide cortar para renascer para a maturidade. Saí e lá fui eu respirar sozinha com meu pobre pulmão asmático.Deixei o cachorro, a casa, os amigos, meus pais, meus irmãos, minhas irmãs e entre elas a Júlia, minha irmã caçula.
A Júlia é uma estrela de alegria e espontaneidade que todo caçula carregar por ter o posto de poder ser criança por mais tempo na família.Ela é do tipo de pessoa que facilmente te invade e te desconserta de você mesmo, te fazendo rir e rindo ainda mais de você.O olhar dela parece estar sempre procurando o lado engraçado e bizarro das coisas e nas pessoas.A Júlia guarda também uma carência e uma densidade, profundas e secretas, que se revelam com o pedido de carinho antes de dormir, no meio de uma conversa que se estende ao longo da noite
, dentro de um quarto escuro e de portas fechadas.
Eu me lembro que quando ia pra casa nos finais de semana tentava ficar o tanto que eu podia junto dela. Ela adormecia me pedindo pra ficar e pela de manhã minha mãe me pedia para ir embora sem me despedir, assim ela não acordava e não chorava. Eu chorava escondida e silenciosa eu saía sem me despedir, com o coração partido.
E assim por um tempo foi: Todo final de semana, aquela mesma ida, aquela mesma volta, aquela mesma paisagem nas viagens de ônibus (que só se alternava quando eu sentava na poltrona da outra fileira)
, aquela mesma dor.Até descobrir um dia que, sempre que ia e voltava, eu já não era mais a mesma.
Chegava em Ribeirão às segundas-feiras.Fazia parte do trote da faculdade usar uma camiseta de cada cor na semana e justo na segunda era o dia do azul.Eu me vestia de azul e o azul se vestia em mim.
E foi assim que nasceu esse poema:
Blues
Às vezes me visto assim de azul
E todas as suas nuances desfazem em mim
O outono na cadência de maio
Explode sua natureza em cores no Céu
De manhãzinha as cores se escondem
No choro de um azul bebê
Eu passo silenciosa
Para não acordá-la
Assim ela não chora
Assim ela não me vê
Tem dias que eu me pego azul clarinha, azul tristinha
Eu choro escondida
E lá no fundo azul do Mar
Vou de mansinho, me azulo marinho,marinho
Marinheira eu sou
Então tiro minhas nadadeiras aladas do meu bolso
E vôo sozinha num mergulho infinito
Num mar de águas que me conduzem à mim mesma
Pego meu pó de lirismo mágico e azulaido em alma
Tudo o que existe
É quando tudo torna a ganhar vida
Conversando comigo nos meus devaneios
(E até mesmo no meu tempo regulamentar)
Mas tem hora que tudo explode em sete cores
Numa dança espetacular
Azul-crinando como numa intempérie
O Céu do meu coração
Azul
É que essa minha condição humana me traz esses azuis
Dos quais nunca estarei salva
Me quebrando uns azulejos do peito
e azulindo outro novos.
Então eu me lembro
Das suas incontáveis tonalidades
E minha alma se acalenta outra vez.